segunda-feira, 24 de maio de 2010

Defendo o brasileiro como o canalha mais autêntico entre todos os canalhas, que ardem numas imitações infinitas entre si. Essa intensidade bondosa brilha a cada palavra do sujeito brasileiro, é uma singularidade de dar orgulho. Porém, abro o jornal, numa dessas procuras despretensiosas, que a cada página jogada deixa o suor de umas mãos desesperadas, em absoluto. Um choque. Uma pesquisa, petulante e mansa, anuncia: o brasileiro vai revelar os seus valores. Muito bem, na desmascarada audácia brasileira, há segredos que guardamos nos íntimos de nossas casas, mais que as crias e os contratempos. Portanto, os valores brasileiros são irreveláveis, a família brasileira, o vagabundo brasileiro, o trabalhador diário, os malas, as senhoras, as crianças, todos sabem: o brasileiro abraça com uma mão nas costas, e a outra no bolso. É parte de nosso direito, como dirão os acadêmicos, consuetudinário: não se determine, mas se faça.
Falo dos valores brasileiros porque fujo da glória dos exaltados, mas amo a injúria dos perdedores. Um fato somente prova tudo: eis que o brasileiro diz, em clara e escancarada traição, que o apego ao poder é o ato que mais abomina. Portanto, o poder em último lugar. Numa terra onde o poder nasce com o sol, sobe à cabeça como a hora sem sombra, e morre manso na insatisfação do fim do dia. O brasileiro, como canalha autêntico, perdeu-se. Herdou, não se sabe de onde, o discurso agradável, e finge uma aversão impregnada ao que o construiu como cidadão. Não creio no brasileiro que negue sua própria obsessão ao poder. Se este valor é digno ou não, dirá a mãe, ou os padres, ou os apaixonados. A grande verdade é que lanço o olhar ao longe, e vejo agora o brasileiro num abraço inocente, andando às ruas num passo desapercebido, onde andará o olhar astucioso do brasileiro que ri de sua própria desgraça? Onde se ficou a mão astuta do brasileiro que antes apalpava o couro amigo, e pobre, para inflar sua riqueza fantasiosa? O brasileiro é universal, e não duvido: creio mais no brasileiro que faz do que naquele que diz.
Porque dizer-se um homem de bem é tarefa fácil, fazer o bem ao outro que é difícil. O brasileiro, repito, é o canalha mais autêntico de todos. Somente ele para desprezar a pobreza sua, e conseguir, ainda, desprezar a riqueza dos outros. Que não perca a decência de saber-se assim, fugindo da hipocrisia de dizer o que não é.

Um comentário:

  1. EU sei de quem herdamos isso? MALDITOS LUSITANOS ¬¬ que trouxeram os textos sinuosos de camões e junto com eles... essa discordia e "canalhice"
    kkkkk

    adorei nego!

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