terça-feira, 22 de junho de 2010

São estes passos despretensiosos a cada ultimato dos dias, que te conferem o vigor de ter ido tão longe. Os demais, os infelizes passos realmente medidos, os que te encharcam de levianas dúvidas, somente te prendem em si, como que se divertindo com tuas tão insistentes hesitações, te oferecendo infinitos caminhos sem sequer te revelar algum. Porque são estes os nossos dias, tomados de atalhos mínimos que decidimos seguir com vigor, que o corpo nos conduz sem atender à palavra indispensável da alma, que sossega e espera. São estes quase todos os dias que se entregam ao desdém da memória. Quando, enfim, daremos vida à coragem que se ficará para sempre?

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Felizmente, não há palavra para tudo. Porque, se houvesse, saberíamos no primeiro instante em que tocássemos o outro e sentíssemos nós mesmos, que a grande rota dos nossos dias se desenharia silenciosa, e percorreríamos em busca do instante em que, insatisfeitos, perceberíamos que mais valia ter dito o que nos foi proibido, que ter vacilado desajeitadamente. Por bem, nos custa saber que continuaremos vacilando, e que as palavras insistem em nos seduzir com o deleite do recanto, com a sabedoria da timidez. As palavras se fingem ingênuas e incapazes de nos revelar, e eis seu brilho incontestável, porque vejo sua gentileza profunda, concebendo a imponência de todos os sentimentos, e permitindo a si mesmo sequer tentar desvendá-los. Palavras são umas poucas crianças que tentamos nos apoiar para nos tornarmos, enfim, adultos. Como criaturas respeitosas, compreendem a sabedoria de todos os sentimentos que nos cercam, a cada vã tentativa de desvendar suas faces. Tento reduzir as palavras, mas elas não se atrevem a reduzir os sentimentos, as sensações percorridas, os anseios puros e atravessados; sabem que certas coisas são intocáveis. As palavras e seus imortais cantadores; vejo todos juntos, discutindo com bondade o quanto falharam, o quanto arderam nos pormenores dos versos, mas tanto que foram cercados por tudo o quiseram dizer, e não conseguiram. É por terem sabido tratá-las como as mais valiosas mulheres, que são grandes, mas é pela delicadeza de terem silenciado quando notaram a maneira singular de cada uma, que são imortais.
Estes dias pedem vigor suficiente para, como as palavras, compreender sentimentos indizíveis, vê-los chegando assim subitamente, contradizer-se de forma natural, aceitá-los muito amiúde, e como as meninas indomáveis, cerrar os olhos e compreender que estas presenças não nos forçam a morte, mas nos incentivam à vida. E, não apenas esses dias, abrigar o infinito ofício de caçar as palavras de maneira incansável, afinal, é isto que fazemos nós, seus dependentes.