segunda-feira, 17 de maio de 2010

Há pessoas neste mundo encarregadas de dizer verdades absolutas. Não creio no humano coração que bate, desde a infância, pelo desejo de exercer este ofício. Mas creio nos descaminhos do tempo, que levam o sujeito a se formar quase um profeta implacável. Porque este é o caminho. E estas são pessoas que, diga-se, estão nas ruas, nos cafés, nos cercos vis ou familiares, sempre haverá o sujeito para dar luz à verdade que se esconde a cada pudor e a cada receio, ou medo. Talvez a grande obsessão do escritor seja despertar a paixão da verdade, para vê-la, mimosa, entregar-se a ele. Pude acordar aos braços de uma verdade graciosa e incessante, esta manhã. Roubei-la dos jovens que vibram este peito escriba a cada gesto. Sussurrou-me, baixinho: “de que sentes falta, meu bem?” Pude ver seus olhos arderem de certeza, pelo tremor que ouvi esta sentença. Passou-se o tremor a estas mãos ingênuas, e vim, em desespero: onde se ficou a saudade? Onde, canalhas, jogaram esta dama trágica e infiel? Talvez o grande clamor desta majestosa verdade tenha sido lançar-me à busca da saudade esquecida.
Somos humanos sem saudade. Custosa, mas eis a frase. A saudade é uma ardência dolorosa, mas a falta dela que é mortal. Estamos na era do presente, um avanço suicida, mas de um desrespeito cafajeste a todo o resto. À saudade, não restou outro caminho senão abrigar-se no esconderijo dos que a acenam, raramente. Sinto a saudade passear por estes versos, como uma idosa desencantada. E para uns homens cuja velhice é uma comédia, a saudade é uma pilhéria sem comentários. Nossos irmãos vivem a ânsia do agora, a olhadela das horas corridas e incompletas, o nascer do dia sem velar a morte da noite. Porque criamos a maneira de amar, a pressa amorosa, que desconhece os antigos amores. Os amantes de hoje, na sua efemeridade peculiar, negam os amores dramáticos que, um dia, guiaram os corações a mil. Saibam, amantes, a saudade dos teus antecessores arde a cada declaração que soltam. Porque a saudade é uma escola sem igual. Somente a saudade fará os homens amantes aprenderem a amar com a dignidade que lhes é imposta. A saudade ataca, também, os heróis. Hoje, nossos heróis emanam os gritos do povo. O povo, o sujeito do dia-a-dia, o trabalhador, o reacionário, todos eles, mesmo sem saber, desmaiam de saudade pelos antigos heróis. Nossos heróis de hoje esqueceram a bravura, no seu egoísmo gritante. Refletem o povo. Os antigos heróis, antes de tudo, viam o erro do povo, seus dramas e devaneios. E, numa loucura ainda maior, provavam, a custo e fogo, a solução que o povo carecia, e não sabia. Saudades dos heróis totais, nuns heróis de hoje que não vivem senão pelo próprio povo, de tanto o refletir, num medonho esquecimento. A saudade é, também, uma amante e uma heroína. Que de tão dama e tão enobrecida, chora de saudades por suas moças imaginárias. A saudade e sua fragilidade poética, chorando, também, de saudade. Porque a saudade, moça antiga, também foi mulher de se entregar a um verso. Sabia que a palavra encantadora era o primeiro passo de um cavalheiro singular. É a palavra que não têm nossos cavalheiros sem saudade. É o recanto desafiador, é a veneração que não se ostenta mais. A moça que ama, hoje, a elástica beleza superficial, o vácuo vergonhoso de seus amantes que renegam a saudade à dignidade virtuosa, a saudade a uma elegância que, hoje, confunde-se ao ridículo e enamora-se com o desprezo. Esquecemos a própria entrega para se sentir saudade.
Invoco o murmuro manso de minha dama desta manhã: “de que sentes falta, meu bem?”E creio que nestes versos não alcanço a resposta que poderia dá-la noite a noite. Nem alcançarei em verso algum. Porque estes versos são de uma saudade bondosa, que dramatizam a saudade dolorosa a cada sol de hoje. Como um pacificador exausto de chagas, faço de nossa figura dramática a esperança do amanhã, e digo às gerações futuras: não se esqueçam da saudade, mas se esqueçam de nós.

2 comentários:

  1. muito bom o blog! adorei todos os posts aqui que li.. to seguindo :)

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  2. a saudade, como todo catalista, é fundamental ao resultado de toda vivência, nos mostra o que é querido e melhor, nos permite comparar, se a vida é feita de escolhas, as fazemos por comparação.
    belo texto, meu velho!

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