segunda-feira, 5 de abril de 2010

Breve Resenha sobre Pink Floyd: The Wall (2)

O álbum, em sim – mesmo que classificado como ópera-rock, experimental, essas classificações não têm valor diante da obra – foi produzido no conturbado ano de 1979. Conturbado e nada favorável aos padrões floydianos de músicas, visto o crescimento de bandas de Punk Rock, seguindo a rejeição às músicas de cunho psicodélico e reflexivo que permeavam os anos 1960. Um primeiro passo para a ignorância escancarada dos nossos dias. Além disso, foi um marco para o fim do Pink Floyd. Sendo o álbum quase uma auto-biografia do baixista Roger Waters, que não soube medir seu desejo de impor suas idéias, acabando por querer determinar toda a rotina de produção da banda, que culminou numa briga judicial das mais constrangedoras e importantes, na história da música. É um álbum desnecessário, por tudo o que a banda já havia dito nos álbuns anteriores, mas a sua inutilidade é sobretudo encantadora e misteriosa, e faz do The Wall um convite a uma viagem singular. Uma viagem por si mesmo, mostrando que o homem é antes um oceano de contradição e intensidade, que um vazio constante e óbvio.
O álbum, em sua tamanha magnitude, deu origem ao filme, produzido logo em 1982. Pink Floyd: The Wall não tem, nem precisar ter grandes diálogos. É quando a existência fala por si. Pink caminha pelo tempo tropeçando em perdas – como a do pai, morto na II Guerra – e de relações indiferentes e incômodas, tome a mãe obsessiva – presente, principalmente, na música Mother, de uma beleza solitária – e do professor rígido e incompreensível – na aclamada Another Brick in The Wall. O filme, na atuação dos atores – principalmente Bob Geldof, no papel de Pink, mais velho – foi tantas vezes citado como incompetente na representação do álbum. É uma mentira que ecoa vagamente e por repetições equivocadas. A leitura não se deve restringir ao metodismo do certo e do errado, mas respeitar a subjetividade do que se está lendo. O filme é intrigante, do começo ao fim. É a perturbação a cada segundo, no olhar das personagens, nos seus gestos, no lirismo de cada música, na recepção de cada espectador. Pink depara-se com o pai morto, mas com o tempo ele vai, também, morrendo, por se crer vazio, por caçar sem sucesso um sentido para si. Não há vida que tenha sentido, Pink, nem o deve ter, e é justamente pela falta dele que vamos criando nossos diferentes nortes e trilhando nossos sedutores caminhos. Essa é a grande página do The Wall. É a narrativa da vida, desde as descobertas infantis aos pormenores das convivências e as batalhas enfrentadas ao longo da vida adulta. Todas as letras das músicas,- vale saber que poucas músicas do álbum são cantadas no filme - obedecendo sua ordem postada, declaram isso. Pink tem o pai morto na guerra, a mãe o controla até onde seja possível – “Mamãe vai sempre descobrir por onde você esteve/ Mamãe vai sempre manter o bebê saudável e limpo” - o professor o tem como alvo – “Quando nós crescemos e fomos para a escola/ Haviam certos professores/ Que machucavam as crianças de qualquer forma possível”. Eis que Pink cresce, vira um grande artista do rock, mas sofre como sua adaptação ao mundo, ou a falta dela. As cenas percorrem estagnadas e atraentes ao longo dos conflitos que seguem, como se o pesar pela infelicidade do outro pesasse em nós. Mas há que se pensar a forma como encaramos essas situações. O filme está embriagado de um pessimismo profundamente simbólico, mas excessivo. Verdadeiramente árido de se encarar, como se a única saída para um mundo que não nos aceita seja a criação de um novo mundo, totalmente íntimo e desordenado em alucinações, cercado por um muro que nos distancia de toda e qualquer realidade insistente e indesejada. É uma saída, não sendo a única. Num certo momento, Pink se vê esgotado. É o cume de sua introspecção e loucura. Numa cena fortíssima, totalmente raspado, inclusive as sobrancelhas, Pink se vê dopado e sem saída, quando o incontido Si menor inicial de Comfortably Numb é disparado, inconseqüente. Surge uma das mais emblemáticas e autênticas músicas do Pink Floyd. Comfortably Numb é o mergulho descuidado de insensatez. É quando destrinchamos cada cenário deste mundo paralelo e cada vez mais dono de seu criador. Num mesmo devaneio, Pink se vê um ditador implacável, manipulador de uma legião de seguidores, mandando seus opositores contra o muro. É uma óbvia alusão ao sistema Nazista, prova das preocupações sociais contidas no álbum e no filme. Pink já não está em si. Parece a vitória de todos os que o fizeram um jovem reprimido, e sua desistência é iminente. É o final de um labirinto somente percorrido por espectadores sem fôlego, que num julgamento surreal poderão ver seus muros como uma prisão ou um escape à própria liberdade.
Numa mistura de êxtase e contemplação, cerramos nossos olhos ao fim do filme. Quando tornamos a abrir, já não são mesmas as coisas, nem nossos olhares apressados ao mundo que encaramos despercebidos. Talvez a grande mensagem do filme não seja sobre muro algum, nem ilusão alguma. Mas que nossa existência é qualquer coisa real e valiosa a ponto de não entendermos nunca, mas encará-la. E que nossas vidas, antes de estarem presas num muro imensurável, podem estar pobremente sujas como a garrafa que o menino limpa no final do filme. Talvez não seja preciso nos isolar para mudar o mundo, mas limparmos nossos corações e seguir em frente.

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