segunda-feira, 19 de abril de 2010

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O silêncio tem todos os motivos para vingar-se das palavras, menos um: o próprio silêncio. É o personagem inédito de um drama sem escrúpulos. Enquanto caminhávamos incertos pelos anais do tempo, numa destas nostalgias viscerais, ele devorava nossos sentidos, mas brando e fiel. A grande verdade é que o silêncio lançou sua lasciva ternura sobre nossa pequenez, e nos entregamos como adúlteros apaixonados. De repente, do silêncio fez-se o homem – diria o poeta. E é de um tanto repentino essa paixão escancarada, que nós, que fazemos de um mero toque a eternidade dos corpos, agitamos a esse fenômeno ideal.
Depois do primeiro olhar, parece que todo o resto perde a nitidez, todas as afirmações derramam-se em equívocos, toda a insurdescência de um batalhão de palavras rendeu-se a um digno e prosaico herói: o eminente silêncio. Está estampado em nossos peitos guerreiros: “pondero e calo”. Eis a veemência do sujeito decisivo dos dias modernos. Não nos cabe mais a desonra das palavras prolixas e das repetições impacientes, o grande sábio das ruas, das praças, dos campos da sabedoria, o grande guia dos espíritos ou mesmo o jovem inconseqüente, todos eles agora calam. É uma saída majestosa, que somente o sujeito de uma pertinência sublime é capaz de inventar. O silêncio por si – aliás, todas as coisas por si – é um diamante bruto e valioso. O grande charme do silêncio é que aprendemos a amá-lo. Amamos o silêncio e estamos também aprendendo, pedra sobre pedra, a torná-lo parte de nosso instinto. Não demora e o silêncio, numa bajulação darwiana, será um diagnóstico de nossa sobrevivência. As guerras, os amores, as conquistas e os sofrimentos; o tempo tratará de torná-los efêmeros e medianos. O silêncio, não. O silêncio esnoba do tempo, como uma criança mimada. Há de cuspir em nossas caras, e sentiremos prazeres inarráveis, pedindo outras e outras doses, insaciáveis. Porque, e agora já não sei se sorrio ou fecho a cara, porque o silêncio estará em nosso sangue como nossa inseparável preguiça. E por saber-se mais que nada, é que amamos esse rapazote de meios-gestos.
As palavras, estas sim, são as senhoras gordas na passarela da beleza. Somente o sujeito desesperado, e deveras traído, ainda a ama. Ele não precisa marcar em si o gume da traição, porque se trai por si, por ser ainda um gritante apaixonado, um inacreditável amante das palavras, logo as palavras, logo a marcha ré de nossos trilhos, mesmo que andemos a mil. O amante das palavras anda perdido na sua própria descrença, porque ama aquilo que não encanta nem mais aos casais fiéis; o amante das palavras tornou-se um triste defensor de minorias, e quando o sujeito propõe-se a isso, não precisa jogar-se a nenhum tipo de desmerecimento. O amante das palavras é, antes de tudo, um tolo. Já não sei se por sua idealização secular, ou por qualquer coisa de espantoso nas curvas líricas dessas palavras cada vez mais escassas. Não há palavra que não seja trágica em sua essência mais sádica. O repúdio reacionário à palavra explica-se antes pela dita cuja, que pelos seus acusadores: a palavra suga um homem até vê-lo nu e extasiado, e ela é imortal, não importando ser um homem de bem ou um canalha, todo ele que se atreva a conceber a palavra, está concebendo, também, a própria escravidão. Eis única verdade que exala a cada verso: o desamor à palavra é de uma covardia atlética, nobríssima, amável. O homem covarde é ululante, e ainda assim é um espelho para as gerações seguintes. É por não se saber mais que covarde, que fugimos da austera palavra, e está explicado. E é por sermos gloriosos indigentes, que nos jogamos aos braços do silêncio amigo.

2 comentários:

  1. relamente.. ululante é pesado... radical.. n? ufânico. sahuashas
    vlw safado

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  2. comentario "wesley" andre esse texto é simplesmente um texto que leva o leitor a ficar em profundo silêncio.Silêncio esse que nos faz repensar diversos conceitos

    resumindo tu é um bct escritor do krai

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