segunda-feira, 1 de novembro de 2010

É preciso que o tempo passe, que as coisas mudem, para acharmos que as entendemos e descobrirmos que o mundo é muito maior que nós. Para sabermos que ele é muito maior que todas as perguntas que, por ventura, viemos a fazer a si e aos outros. Ou mesmo as perguntas que fazemos a ninguém, na espera de resposta alguma, apenas do silêncio que nos conforta. Se me permite a filosofia barata, queria perguntar a alguma criatura maior o que é preciso para viver. Mas percebo que qualquer que seja a criatura maior, não falaria comigo a mesma língua, não encontraríamos as mesmas respostas para vontades tão diferentes.

É preciso que a vida tenha muitas faces. E que tenhamos, junto com ela, também. E que possamos nos encantar por cada uma, porque há dias em que se mostra assim tão triste, e tão desgostosa; há dias em que está radiante e formosa. É preciso que a gente insista no seu sorriso, e que o encontre na hora que for. E que saiamos, bem devagar, das respostas mais complexas, até as mais simples. Porque a vida, pra valer, só quer a simplicidade, seja na teoria ou na prática, posto que um abraço valha mais que toda a psicologia sobre relacionamento. A vida deve ser qualquer coisa que goste muito do tato. Por isso, talvez, os livros nunca serão substituídos. Pois sim, é preciso sempre um bom livro do lado, como uma bússola num norte indefinido, e que nos deixemos perder entre o cheiro do papel e as sensações das páginas, porque toda sensação só vive se alçar vôo das linhas e descansar em nós. É preciso que nos deixemos levar, com todo o exagero, nas sensações. A vida não pede passagem e manda que nós não só passemos por ela, e nós devemos ser esse conjunto de sensações inomináveis, que se repetem, que nos competem, que nos desafiam a descobrir. A sensação dos primeiros passos, do primeiro olhar materno, da primeira amizade ingênua, do primeiro beijo atrevido, do primeiro grande amor. Todo amor só é amor se for grande. É preciso que a gente fale menos e ame mais. Ame como os heróis dos romances, como o trabalhador do dia a dia, que ame cansado, que ame disposto, que ame com versos, que ame com silêncio, que ame com raiva ou com paciência, que ame com bons modos ou com indecência, que ame sempre sério ou morra de amar. A vida não pede modelos, mas que a gente ame, cada um ao seu jeito. É preciso que, para amar, a gente desgoste.

Tantas são as manhãs que nos parecem cinzentas, as noites que nos parecem sonolentas, as pessoas que nos parecem sem graça e sem fervor. A vida também nos desafia a desistir. Há dias em que as pessoas não têm sentido, mas por que alguma coisa deve ter sentido? Para isso, é preciso que joguemos as coisas para o ar. É preciso que vejamos na noite um convite para a manhã, e que suemos no calor e que fiquemos bem relaxados na sombra amena. Quando não buscamos mais o sentido das coisas, passamos a encontrar nelas a beleza. É preciso que a beleza seja minha e do outro, e que não faça distinção. Porque é preciso que tenhamos a firmeza do homem e a delicadeza da mulher. Que tenhamos as aventuras mais inesquecíveis. Que cheguemos em casa somente no domingo de manhã, que passemos uma noite de sábado no prazer da família, ao bom filme; que viajemos sem destino, e para isso não precisamos nem sair de casa; que possamos passear na orla num fim de tarde quase poético, e que mergulhemos no mar à meia noite, que fiquemos deslumbrados com as grandes obras, com as cidades iluminadas, mas que achemos bela a discrição do campo; que façamos da natureza nossa inspiração, que saibamos que nosso lugar é um só e é muito, que a criança faminta na nossa porta nos arrase de choro, mas que uma mão solidária sempre pode agir; que somos profissão e diversão, que para isso existem os contatos e existem os amigos, e sempre hei de preferir a fidelidade daqueles e daquelas que me permitem chorar e rir sem limites, porque o mundo formal só é bom quando envolve dinheiro. E que a gente largue de toda formalidade, e que permita ao namorado nos ver ao acordar, mas que, também, paguemos sua entrada no cinema, e mesmo assim rir. Porque é preciso sempre rir, afinal, já diria o amigo que o melhor da tragédia é a comédia de depois. É preciso que leiamos as entrelinhas, que o silêncio diga mais que quase tudo. É preciso que nossa vida seja uma comédia e um drama, uma ação e uma epopéia, mas que seja. E que seja todos os sons do universo. Que a gente ouça o rock da revolta, ou samba do descompromisso, mas que nunca deixemos de exaltar um bom violão e uma bela melodia. Nossos dias são esses acordes que se seguem, e no final teremos feito uma sinfonia. E que a toquemos, para quem quiser escutar. É preciso que nunca deixemos de cantar a família, tão preciosa, cantar os bons valores, e cantar a imoralidade, também. Mas essa, bem baixinho, porque também somos feitos de imagem. É preciso que sigamos os grandes boêmios, e como todo coração humano, cantar o amor. Porque o amor é dessas coisas que seguem os séculos, mas segue também os nossos poucos anos de vida. É preciso que o amor seja sincero, mas que nossa mentira, não envolvendo traição ou desdém, sempre seja para fazer o outro melhor. É preciso que leiamos esse verso bem devagar: é preciso que, por mais duro que seja, aprendamos que amor é o melhor do outro e o melhor de nós. Que a calmaria do outro é a nossa paz, e que a intensidade só se vive se for a dois. É preciso que choremos junto da pessoa amada, que possamos rir juntos do momento mais caótico ou das conversas mais tolas, madrugada adentro. Porque é preciso que para o amor não haja tempo. Ocupação alguma preencherá tanto nossos corações como o desejo de ter o carinho de quem se ama. O amor, acima de tudo, é uma grande escola. O primeiro ensinamento é que o amor debaixo da chuva, com trilha sonora, só existe no filme. O amor, pra valer, é melhor que esteja cara a cara. E é melhor ainda que esteja em dois corações que não cansem de sonhar. Porque é preciso que o amor seja, primeiro, uma coisa bruta que não sabemos lidar. Para depois, enfim, revelar-se tão simples, e tão agitado, e tão impiedoso, e tão indispensável. Para que a gente entenda que ainda não sabe lidar. É preciso que, para viver e para amar, nossa alma se nutra de alguma coisa parecida com o perdão, porque todo amor, por mais rápido que tenha sido um dia, pode voltar a ser eterno.

É preciso que acreditemos na eternidade das grandes coisas, nas crises passageiras, no sorriso como a grande explicação, na mudança como a grande prosa, e na rotina com a grande poesia. É preciso que sejamos poetas de nossas vidas, e que tentemos dizer de tudo, mas acima disso, possamos perceber que a vida, mais do que dita, foi feita para ser vivida.

Um comentário:

  1. Uma lição...
    Mudou de Leminski pra Vinicius, mesmo?!
    sahuhasusha
    show de bola..
    é preciso mudar de vez em quando também..

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